Do valor que a vida tem

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«Condenado à morte». Di-lo não uma, mas três vezes. E o tom agastado com que o diz mostra que ao próprio lhe custa a crer numa sina que é, tristemente, sua. A luz vermelha – intensa, mas sombria – que o recebe em palco é como que um pronúncio do desfecho que se aproxima.

Ao condenado não lhe descobrimos o nome, nem o crime cometido. Sabemo-lo apenas pai, marido e filho que às suas deixará órfãs caso a sentença proferida não conheça outro desenvolvimento.  A esperança de que esse infortúnio possa vir a ser alterado está sempre lá, dá-lhe alento, mesmo que efémero e vão.

Virgílio Castelo é quem veste as dores, os lamentos e a esperança deste homem que, envergando boas vestes e educadas maneiras, se viu privado do direito à vida. “O Último Dia de Um Condenado”, da autoria de Victor Hugo, sobe ao Teatro Armando Cortez com encenação de Paulo Sousa Costa. Trata-se de um monólogo através do qual são narrados os estados de alma de um condenado que, depois de o ser, partilha com a plateia as penosas seis semanas. E qual não é o desalento quando, ao riscar os dias na parede, o condenado percebe que é o último dia? Restam-lhe horas, portanto.

«Condenado à morte». Vai repetindo a frase que o fere e, sempre que o faz, sente-se, no esgar que se lhe desenha na face, a dor dilacerante que o consome. Fez-se sabedor do quão valioso é viver. E, talvez por isso, queira recuperar a possibilidade – que outrora negou – de cumprir trabalhos forçados, mesmo que durante árduos e penosos anos. Mas a luz da esperança insiste em manter-se acesa dentro dele.

Raras vezes dois gendarmes aparecem em palco. Virgílio Castelo está, sobretudo, só. Contudo, o protagonista não o está. Pela voz do actor fazem-se ouvir muitas outras personagens: a ingénua Marie que não reconhece aquele «senhor» que se diz seu pai; as jovens histéricas que, na Praça de Grèves, anseiam por que a guilhotina cumpra a sentença – elas e toda a multidão que rejubila perante triste “espectáculo”; o guarda que lhe suplica pelos números da sorte; um sobranceiro e gozão prisioneiro que lhe cobiça o casaco; ou o padre, perante o qual confirma não estar preparado para perder a vida. O crime não o nega, mas nem por isso lhe revela verdadeiramente os contornos.

Vida. É esta a verdadeira palavra a reter em “O Último Dia de um Condenado”. O valor dela. O direito a ela.

O texto foi publicado no século XIX e contribuiu para um debate aprofundado sobre esta temática. A peça subiu ao Teatro Armando Cortez em dezembro, quando se assinalavam os 150 anos da abolição da pena de morte em Portugal (o primeiro país da Europa a fazê-lo). Uma produção da Yellow Star Company em cena, em Lisboa, até 28 de janeiro.

 

Fotografia: Yellow Star Company

 

(Texto publicado na Festmag. Entretanto, outras palavras vão-se alinhando.)